segunda-feira, 26 de julho de 2010

Vomitando rosas - parte 2


{ Leia a primeira parte do texto clicando aqui }


Nada como o senso de oportunidade, anote aí. E oportunidade significa saber observar e aproveitar o momento certo. Principalmente se você é mulher e vai tirar um homem para dançar. A todo momento somos devidamente lembradas que o mundo é machista, e a dança a dois é ultra-machista. Mesmo que sejamos brasileiros descolados, vamos e venhamos, ninguém quer levar um “não”.


Chego perto do alvo, desta vez bebendo uma taça de água, para fazer boa figura. (Outra coisa muito desagradável é dançar com alguém bêbado, trocando as pernas, pisando no seu pé e com bafo de cachaça. Por isso a mescla de qualquer bebida alcoólica com água. Um drops cai bem de vez em quando também).


A essas alturas quem não conhece bem o tango e seus universos deve estar se perguntando onde diabos entra a famigerada rosa na boca. Pois bem, estava mesmo esperando alguém perguntar, para eu poder responder: não entra. Esquece isso. A rosa na boca é um símbolo da distorção que os veículos de massa impõem ao mundo, sem nunca se darem ao trabalho de fazer uma pesquisinha medíocre que seja.


Aliás, esse assunto veio em boa hora, porque eu não aguento mais ouvir que o tango que Al Pacino dança em “Perfume de mulher” é o máximo. E aquele “tango” que é dançado por Arnold Szwatznegger e Jamie Lee Curtis em “True lies”? O que é aquilo? Uma rosa na boca! Não é tango.


Pois ao som de Osvaldo Pugliese – a tanda da vez – me dou o direito de falar com mais profundidade sobre essa dança. Imagine-se ouvindo um dos sons mais deliciosos de sua vida. Agora imagine um abraço forte, intenso, porém suave, envolvente. Nada de tensões. Articulações, músculos, respiração e alma totalmente relaxados. Sinta os pés em contato com o chão. Acaricie o chão com cuidado. Não pense em já fazer firula. Apenas sinta. Agora vá junto com a música como se ela fosse o mar e você, o barco. Vá, deixe a música conduzir. Não é você quem conduz, seja mulher ou homem. Tenha humildade. Não tente controlar a dança, deixe ela acontecer como deve ser, pise onde tiver que pisar, não force. E de forma alguma cutuque, aperte demasiadamente ou pare de respirar. Depois de um tempo deixando ser, você vai experimentar o êxtase. Vai entrar no verdadeiro labirinto do fauno e de lá não quererá sair. Pronto, você dançou o verdadeiro tango, não mais o argentino, mas o universal.


Descendo do céu à terra, estou aqui de novo, em minha mesa, juntando minhas coisas para ir embora. Olho novamente para o piso, ringue de luta dos que se aventuram a compartilhar uma dança. Não ache tão estranho. Luta sim. Pois que, veja se não é assim, a cada vez que pisamos ali, estamos em luta contra e a favor de nós mesmos. Não são nossas habilidades que serão testadas ali, mas nossa paixão. Sem paixão, não pense em dar o primeiro passo, pois ele será falso. E guarde seu ceticismo, materialismo e ateísmo artístico para seu computador. No tango, nada disso funciona.


Faço minha tradicional oração a São Piazzolla e vou embora, com um meio sorriso rasurando meu rosto.




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