segunda-feira, 12 de julho de 2010

Vomitando rosas



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Um texto de Flávia Valente

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Estou nesse baile de tango na seguinte condição: sentada numa mesa ao fundo, bebendo uísque e com pena de mim.

Não quero que ninguém me olhe, que ninguém me tire para dançar e meu vestido essa noite está definitivamente horrível.

Como não quero interagir, me contento em apenas observar. Aquele casal ali está dançando mal, olha lá, esbarra em todo mundo. Mas também pudera, o sujeito está uma pilha de nervos. Não tem ginga, deve ser pouco rodado nos salões. E o vestido da mulher é mais feio que o meu.

Aquela está dançando bem. Aquele ali também, mas pudera, faz mil aulas por semana. Aquele moreno com o cabelo preso num rabinho é alugado. E a dona que está com ele dança mal. Pudera, não faz aula nenhuma.

Nesse mundo do tango não adianta você ser bonito(a), falante, intelectual da última, descolado(a), elegante, inteligente, PHD em qualquer coisa, endinheirado(a), famoso(a), bom (boa) de cama, blogueiro(a) da moda, artista contemporâneo(a), gente boa, não beber quando for dirigir, fazer poesia, ter saído na Caras, se você não sabe dançar. E tampouco pense que vai aprender a dançar rápido. Pode esquecer. Vai levar mais tempo se pensar assim.

Agora começou uma tanda de Di Sarli. As tandas de Di Sarli sempre me deixam melancólica. Sim, a música é linda, mas não é por isso não. É que na época que eu organizava baile, sempre tinha um aficionado pelo passado que vinha logo pedir: Dá pra botar Di Sarli? E eu me esforçando para garimpar novidades todo baile. Colocava um Fernandez Fierro e já vinha um: Dá pra botar Di Sarli? E adivinhem que música levava todo mundo pra a pista? Bahia Blanca. Nada contra Bahia Blanca, como disse, é linda, mas caceta, toca em todo baile que eu vou desde que comecei nessa vida há 15 anos.

Nessa noite não coloquei meu melhor sapato. Optei por um velhinho confortável, se é que um salto sete e meio pode deixar algum sapato confortável. Mas depois de tanto tempo a gente acostuma. O perfume sim, foi o preferido. Escolhas que vamos fazendo sem dar-nos conta, muitas vezes.

Um homem se avizinha da minha cadeira. Acho que vai me tirar pra dançar. Se tirar, terei que ir. Sabe como é, etiqueta de salão. É feio deixar o cara com cara de bunda na frente de todo mundo.

Nessa noite eu não estou muito a fim de dançar, juro. Aí é válido fazer a pergunta: Então o que foi fazer num baile? Boa pergunta. Acho que fui achando que queria dançar. Acontece. Nada demais, estou um pouco chateada porque meu namorado, depois de dois anos e blau de namoro, não lembrou da data do meu aniversário, mas lembrava exatinho da data que o Flamengo foi campeão da última vez. Nem quis saber da penúltima, ou ia entrar em depressão. Fiquei puta e migrei pro baile. Aliás, artimanha que sempre usei quando me emputecia com namorados e seus atos sem-noção. Vou pro baile e danço muito, por vingança mesmo.

Mas dessa vez tudo que eu queria era ficar bebericando no meu canto. Acho que estou ficando velha.

Daí o sujeito que avizinhou-se me tira pra dançar, como eu supunha. Vou, e sorrio. Gentileza gera gentileza. Na falta de um clichê mais oportuno, vai esse mesmo.

Dançamos Di Sarli. A única orquestra de tango que lota a pista. Uns bate-bates aqui, um salto entrando pelo meu sapato acolá, e noves fora, curti dançar essa tanda. Di Sarli sempre acerta. Deve ser por isso que tem sempre um aficionado pra pedir: Dá pra botar Di Sarli?

Volto à minha mesa e não consigo desviar o pensamento do Juca, meu namorado flamenguista. Antes d’eu sair de casa, ele me disse por MSN que o Cassiano, seu melhor amigo, estava indo pra a casa dele pr’umas cervejas. Pergunta agora o que realmente estou fazendo num baile.

Também tem uma TPM de ressaca abalando meus nervos. Gostaria muito de estudar esse fenômeno, para entender como diabos a gente consegue passar por umas trezentas emoções, aparentemente nada a ver a anterior com a seguinte, em um dia.

Aquele casal ta bonito dançando, tem química, tem sintonia. Aquele sujeito mais ali atrás, de blaser cinza, eu já beijei na boca. Aquele outro sentado na outra mesa também. O fato d’eu nunca ter sido santa já me proporcionou momentos bem interessantes.

Tanda de Juan D’Arienzo. Gosto. O compasso chega a ser invasivo de tão presente. Agora ta me dando vontade de tirar alguém pra dançar. Isso na Argentina é um ultraje à tradição tangueira, uma fêmea ‘sacar’ um macho, mas brasileiro gosta mesmo é de quebrar regras e dar uma banana pro ultraje e para a tradição, então... olho em volta pra caçar meu pretendente. Arrá! O Nicolau, ali naquele canto, conversando com a loira de azul. Amigo das antigas, começamos no tango praticamente juntos.

Nada como o senso de oportunidade. (continua depois)


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5 comentários:

Elza Moreira disse...

Oi Flavinha, você é show! adorei sua cronica, pena que é em capítulo... avise-me quando colocar o final. Aliás, gosto muito de sua maneira de escrever e de
dançar também.
Beijokinhas
Elza

soraya Jorge disse...

Beijos Flavia. Atualmente a pergunta é o que fazer com a dança? Olha que de tango ainda não manjo nada. Adorei ler.
Soraya

clarissa disse...

muito bom, pode virar um livro ...

clarissa disse...

muito bom, pode virar um livro ...

Deveras disse...

Maravilhoso o texto... Com informações preciosas do mundo do tango (Di Sarli, Ferro, etc...) e suas impressões. Detalhe também para o namorado flamenguista (a arte imitando a vida? rs, só com um porém: é mais fácil lembrar da última vez que o Flamengo foi campeão que o Vasco, rs.... (pô, não deu para deixar passar essa, hehehehe).

Bração, Fravinha. Nos vemos pelos lados de Paraty...

ficanapaz